Sejam bem vindos ao último artigo do ano de 2016! Como sabem venho fazendo uma série de artigos e vídeos, junto ao Alexandre Lima, com as armas expostas no museu da Força Expedicionária Brasileira, em Belo Horizonte -MG e hoje, vou falar um pouco da submetralhadora americana que revolucionou a forma como os americanos passaram a encarar seus equipamentos.
A história desta arma remete primeiramente a história de seu criador, John Taliaferro Thompson, nascido em 1860 e graduado pela Academia Militar de West Point em 1882, foi promovido a Segundo Tenente da artilharia e em 1890 foi transferido para o “Departamento de Material Bélico” (Ordnance Department), atuando neste mesmo departamento durante a Guerra Hispano-Americana.
John Taliaferro Thompson esteve pessoalmente envolvido nos testes de dotação do rifle Springfield M1903 e da pistola M1911, pelo Exército, nos anos conseguintes à guerra Hispano-Americana. Mas em novembro de 1914 pediu dispensa do serviço militar para se dedicar ao aperfeiçoamento das metralhadoras existentes na época. John se juntou à Remington recebendo o cargo de engenheiro chefe, onde era responsável por gerenciar a construção, montagem e operação de uma fábrica de rifles Enfield, para o Exército Britânico, em Eddystone, Pensilvania.
Mas Taliaferro tinha o sonho de criar uma arma diferente, algo que ainda não existia. Uma espécie de “rifle-metralhadora”, uma arma de emprego pessoal, portanto leve e de fácil manuseio, mas que pudesse disparar, de forma automática munições em calibres que eram usados em rifles e metralhadoras da época, como 7mm Mauser. A procura de Thompson por um sistema da arma foi grande, ele chegou a pensar em criar um novo sistema de funcionamento para não ter que pagar os caros royalties a outros inventores e fabricantes. Foi quando, em 1915, o Comandante John Blish, da Marinha Norte Americana, patenteou um novo sistema de blowback retardado, chamado de Blish Lock ou Friction-delayed blowback, este sistema usava fricção do metal para atrasar a abertura da câmara. Após Thompson investigar a fundo a criação de Blish, ele ofereceu ao Comandante uma parte da empresa que estava criando, em troca da patente de seu projeto. O Comandante então aceitou a proposta de Thompson e com o apoio financeiro de Thomas Ryan, fundaram em 1916 a Auto-Ordnance.
A Auto-Ordnance não era ainda uma fábrica de armas, era mais uma “montadora” de armas que recebia as peças de diversas prontas de diversas fábricas e as montavam em suas facilidades. A empresa começou sua vida montando rifles Mosin Nagant para o Exército Russo, era necessário dinheiro para investir em seu projeto e contratar engenheiros para ajudar a projetar sua arma. Os primeiros engenheiros projetistas contratados por Thompson foram Theodore H. Eickhoff e Oscar V. Payne, eles tinham a missão de trabalhar no projeto de seu “rifle-metralhadora”.
John Thompson foi convocado, em 1917, à Guerra novamente. Dessa vez para fazer parte de um dos maiores conflitos internacionais da história da humanidade, a Primeira Guerra Mundial, ele foi peça fundamental na adaptação do rifle Enfield, fabricado pela Remington, em .303 British para então calibre padrão do Exército dos EUA, .30-06 Springfield. Ainda durante a Guerra, John Thompson foi promovido a General de Brigada, e em sua nova função foi responsável por desenvolver e produzir armas leves e munições para o Exército. Ao que tudo indica ele cumpriu seu papel com máxima eficiência pois foi agraciado com uma “Distinguished Service Medal” (Medalha por Serviços Distintos).
Enquanto estava na França, os trabalhos na Auto-Ordnance continuavam ativos. Cada projeto desenhado por eles da nova arma era enviado à Colt, e lá era fabricado um protótipo para testes; os protótipos de “rifles-metralhadoras” criados pelos engenheiros não aceitaram muito bem os calibres usados nas metralhadoras e rifles. Entretanto descobriram que o calibre .45 ACP funcionaria perfeitamente em uma arma automática de mão. John T. Thompson, sabendo disso, foi obrigado a mudar seus planos, e ao invés de um “Rifle-Metralhadora”, resolveu então desenvolver algo que seria como uma “pistola-metralhadora”, ou uma metralhadora de mão, como preferia chamar.
Diversos foram os protótipos das metralhadoras de mão criadas por Thompson e as que ganharam maior fama e notoriedade foram a “The Persuader” que por ser um protótipo não possuía modelo definido ou número de série. Ela surgiu em 1918 e era alimentada por uma fita de munição ou carregador, tendo pouca semelhança com os modelos mais conhecidos da arma. E as “The Anihilator I, II e III”, que receberam este nome por conta de sua alta cadencia de tiro em .45 ACP(cerca de 1000 disparos por minuto). O modelo III chegou a ser fabricado para ir à França, as caixas com exemplares da arma que seria enviada chegaram às docas de Nova York no dia 11 de Novembro de 1918, no mesmo dia em que a Primeira Guerra Mundial terminou. Em 1919 Thompson pediu que mudassem o nome de sua arma para uma designação não-militar, e foi aí que criaram o termo “submetralhadora”, a arma foi então nomeada de “Submetralhadora Thompson”, em homenagem a seu criador.
Com o fim da Guerra, Thompson se aposentou das Forças Armadas e agora, totalmente focado em sua nova criação, fez algumas mudanças no modelo criado anteriormente. Em 1920 ficou pronto o primeiro modelo a ser produzido em massa da submetralhadora Thompson, a “Submetralhadora Thompson M1921”. Ela usava o então sistema de blowback retardado por fricção, e a arma era alimentada por um carregador circular (drum magazine) com capacidade para 50 ou 100 munições, ou um carregador vertical, em forma de “caixa”, com capacidade para 20 munições. Ela possuía dois cabos para ser empunhada, um logo atrás do gatilho, e outro abaixo do cano. Possuía uma coronha curta para ajudar a segurar o recuo da arma quando disparada em modo automático e sua cadencia de tiros era de 800 disparos por minuto.
O apelido Tommy Gun surgiu por conta da imprensa, que na época precisava de um nome chamativo para a arma. A Auto-Ordnance chegou a patentear e até mesmo marcar algumas armas, por conta do alto potencial de marketing que o nome havia alcançado, mas isso foi feito em apenas alguns exemplares e não se tornou algo padrão para todas as peças produzidas.
No dia 27 de abril de 1920, a Springfield Armory conduziu os primeiros testes de funcionamento da submetralhadora Thompson. Os resultados foram impressionantes. Houve apenas uma falha dentre os 2000 disparos feitos. A Marinha e o Exército Americano também conduziram testes com a arma e obtiveram praticamente os mesmos resultados. Mesmo assim nenhuma das duas instituições indicaram o uso para suas Forças. Apesar de ter sido usada, não oficialmente, pela marinha dos EUA durante a ocupação da Nicarágua, que durou de 1912 a 1933, e provou ser uma arma de grande valor em campo de batalha.
A Auto-Ordnance, chegou a fechar um acordo com a Colt para a produção de 15.000 exemplares dos “mecanismos básicos de funcionamento” da arma, e com diversas outras fábricas, como a Lyman e Remington, para a produção da coronha de madeira, alça e massa de mira. A arma seria montada na própria Auto-Ordnance, que ainda não era uma fábrica.
Por conta da rejeição da submetralhadora Thompson pelas Forças Armadas, em 1921 a Auto-Ordnance fez uma grande campanha de marketing para vendê-la a civis e forças policiais. Ela era chamada de “A arma anti-bandidos” e que “Era a arma mais segura para se disparar na cidade”. Infelizmente, seu alto preço fez com que poucos civis pudessem adquiri-la, já que chegava a custar cerca de US$200,00 cada unidade da arma, algo em torno de US$3.500,00 hoje em dia. Seu valor alto se dava por conta de seu sistema de blowback retardado por fricção, tornando a arma extremamente cara e complexa de se fabricar.
A primeira agência estatal a usar essa arma, foi, por mais estranho que pareça, os Correios dos EUA (U.S Postal Service), que armavam alguns agentes para evitar assaltos a seus entregadores. Nos anos conseguintes, a Tommy Gun ganhou uma fama muito grande por ser usada por famosos gangsters da época, como: John Dillinger, ‘Baby Face’ Nelson, a gangue Barker, ‘Pretty Boy’ Floyd, entre outros. A submetralhadora Thompson foi também usada no massacre de São Valentin (St. Valentin Massacre), em 1929, quando efetuaram 70 disparos com a Tommy Gun contra sete membros da gangue Moran, em um estacionamento da cidade de Windy. Apesar da exagerada má fama da arma, os maiores usuários desta arma eram, na verdade, as policias municipais, estaduais e até mesmo o FBI, que em 1935 se viu obrigado a adquirir alguns exemplares (cerca de 115 Submetralhadoras Thompson M1921 com uma case personalizada para seu transporte). No final das contas, a Tommy Gun deveria ser mais conhecida por ser uma arma usada por agentes da lei, do que por criminosos.
Em 1928, a Marinha Norte Americana fez planos para adotar a Submetralhadora Thompson, mas requisitou algumas mudanças no modelo original: reduzir a cadência de tiros para 600 disparos por minuto, um guarda mão horizontal, zarelhos para bandoleira e um compensador de gases Cutts. As armas feitas com essas alterações passaram a se chamar “U.S. Navy, Model of 1928”, mas era marcada como “U.S Model 1928A1”, pois o modelo 1928, de uso civil, não possuía o guarda mão horizontal. Um pedido de 500 exemplares do modelo U.S Model 1928A1 e mais 340 M1921 foi feito. Todas as armas vendidas, tanto para a marinha, quanto para as policias e civis, faziam ainda parte do acordo de produção de 15.000 armas com a Colt em 1921.
Em 1929, as vendas da arma continuavam muito lentas e apenas 10.300 exemplares haviam sido vendidos. A Auto-Ordnance estava praticamente falida, sua dívida passava os dois milhões de dólares. A empresa só permaneceu de pé por conta do filho de Thompson que se recusou a fechar as portas e ainda apostava em seu potencial.
A submetralhadora Thompson, é responsável pela criação de uma das primeiras leis de controle de armas dos EUA. O Ato Nacional de Armas de Fogo de 1934 (1934 National Firearms Act – NFA) foi feito para regular a venda de espingardas de cano curto, silenciadores e armas automáticas, pois estas eram, teoricamente, mais usadas por criminosos. Esta lei fez com que, para um civil adquirir algumas dessas armas, ele deveria pagar ainda uma taxa de US$200,00; e esse foi um dos motivos pelo qual as vendas para civis eram tão baixas.
O Exército dos EUA ainda não havia adquirido a arma porque estavam esperando o rifle M1 Garand ficar pronto, a cavalaria achava que ele seria o suficiente para satisfazer todas as suas necessidades, e por isso não havia o menor interesse em adquirir a submetralhadora Thompson. Quando o M1 Garand finalmente ficou pronto e foi oficialmente adotado, ficou clara a necessidade do uso da Tommy Gun. Em setembro de 1938, a Thompson mudou seu status no Exército de “Procura Limitada” para “Uso Padrão”. Mas mesmo sendo agora uma arma de uso oficial, ela ainda era uma arma secundária da cavalaria.
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Em junho de 1939, o Exército fez uma encomenda de 950 submetralhadoras Thompson modelo 1928A1. Nessa época o estoque das armas fabricadas pela Colt havia finalmente esgotado e a Auto-Ordnance fez então um acordo com a Savage Arms para a produção de um novo lote da submetralhadora Thompson. A Segunda Guerra Mundial havia estourado na Europa e com a aposta de uma grande encomenda que poderia feita pelas Forças Armadas dos EUA e de outros países, a Auto-Ordnance adquiriu uma antiga linha de fabricação de armas em Bridgeport, Connecticut. A fábrica foi modernizada e preparada para receber uma grande encomenda de produção.
John Taliaferro Thompson morreu no dia 21 de Junho de 1940, semanas depois de ver sua aposta dar certo. O Exército dos EUA fez uma encomenda de 20.405 exemplares da arma, e um ano depois os pedidos chegaram a 319.000 exemplares. Para reduzir o tempo e o custo de produção dos pedidos que viriam, o time de engenheiros da Savage Arms fez algumas mudanças no projeto como: remover a massa de mira fabricada por outros fabricantes e a fazer de forma estampada, junto ao cano; a troca do duvidoso sistema de blowback retardado por fricção, pelo sistema de blowback simples, já que todas as submetralhadoras da época usavam esse sistema, além de eliminar o compensador de gases e fazer da coronha, que era removível, agora fixa, além de aceitar apenas carregadores retos em forma de caixa. Apesar de uma grande resistência da Auto-Ordnance para mudar seu projeto, essas mudanças tinham funcionado tão bem que era impossível ignorá-las, principalmente após testes muito bem sucedidos feitos pela Savage Arms. Em Abril de 1942, foi adotado então o novo modelo “Submachine Gun, Caliber .45 M1 Thompson”. Apenas com essas mudanças, o valor da arma passou de US$225,00 para US$44,00. As primeiras submetralhadoras Thompson, ainda M1928A1, foram entregues pela Savage Arms em 1941 mas em agosto do mesmo ano a fábrica da Auto-Ordnance em Bridgeport começou a entregar suas próprias armas ao Exército.
Apesar de grandes encomendas, as Forças Armadas Norte Americanas, ainda não tinham tanto interesse em usar a Tommy Gun, pois ainda achavam que o M1 Garand seria o suficiente para equipar suas forças. Após o ataque japonês à Pearl Harbor, ficou óbvio que ambas as armas seriam necessárias, e até fevereiro de 1942 cerca de 500.000 Submetralhadoras Thompson haviam sido produzidas para as Forças Armadas.
O modelo M1 foi simplificado ainda mais com a substituição do cão interno usado nos modelo M1921, M1928 e M1, por um percursor fixo ao ferrolho. Essa mudança resultou então no modelo “Submachine Gun, Caliber .45 M1A1 Thompson” em Outubro de 1942. Esse modelo não foi amplamente fabricado até o inicio de 1943. O número total de “Submachine Gun, Caliber .45 M1A1 Thompson” fabricados foi de 539.142, até a produção cessar em 1944.
A Birmingham Smal Arms Company (BSA) produziu uma pequena quantidade de Tommy Guns Inglesas, chamadas de BSA 1926 que eram em calibre 7,63 Mauser e 9mmP. As submetralhadoras Thompson ainda foram encontradas nos arsenais de diversas forças militares ao redor do mundo após a Segunda Guerra Mundial, já que foram usadas por forças da ONU na Coreia, pelas Forças Especiais Norte Americanas e por tropas Sul-vietnamitas, no sudoeste da Ásia nos anos 70. Elas foram também vistas em uso nos anos 90, durante a guerra da antiga Yuguslávia.
Abaixo segue meu vídeo falando um pouco sobre a Submetralhadora Thompson, no Museu da Força Expedicionária Brasileira.