Bom, minha primeira caçada internacional teve inicio em uma sexta feira. O dia amanheceu lindo, céu azul sem nuvens. Hora e local marcados para o encontro, tralha na mochila arrumada e a ansiedade a milhão. As 18:40 encontro com Pablo, que é um dos donos da Orgânica (empresa responsável pela caçada), apresentações feitas e seguimos para o povoado de Urda (distante 150km de Madrid). Como não podia ser diferente, durante todo o trajeto só teve a conversa que prevaleceu foi sobre: caçada, armas, munições e legislação ambiental (foi ai que percebi o quão atrasado o Brasil é em relação a isso).
Chegamos no povoado e nos encontramos com mais alguns caçadores, na verdade eram os outros donos da orgânica e amigos/familiares deles. Pessoas INCRIVELMENTE simpáticas! Parecia que éramos conhecidos de longas datas, em 10 min de conversa já estávamos um fazendo piada com o outro, mostrando fotos de caçadas anteriores e enquanto isso a mulherada batendo matraca de viagem, falando que não tinham coragem de matar os bichinhos, essas coisas.
PS1: Acho que a caça tem esse “poder” de unir/tornar amigos pessoas que jamais se viram, falaram ou tiveram qualquer contato independente de raça, cor ou classe social.
Depois do bate papo, comemos umas tapas, tomamos uma cerveja/vinho no bar da cidadezinha. Logo depois o povo seguiu para discoteca e eu para a cama, afinal, no dia seguinte tinha que estar inteiro para a caçada!! rsrsrsrs
Rolei na cama a noite toda ate que deu 07:30, hora de acordar. Depois de tomar um banho para despertar bem, nos encontramos com a turma e partimos para o mesmo bar da noite anterior onde seria feito o café da manhã, com as tradicionais migas e logo em seguida o sorteio de postos. Chegamos e aos poucos foram chegando os demais caçadores com suas famílias.
Acho que foi nessa hora que caiu minha ficha, era verdade, eu estava numa monteria, num bar repleto de caçadores (não só homens ou pessoas de maior idade, havia crianças, mulheres e muita gente da minha idade), todos com as “mesmas” roupas, cada um com seu rifle na mão e na TV um canal sobre caça, enfim, uma coisa que nunca havia presenciado. Depois disso partimos para o sorteio dos postos, acabei caindo com um posto bom para veados e cervas, já que ficava na parte baixo do monte, onde seria muito difícil baixarem os javalis, mas como eu queria mesmo era um chifrudo, estava ótimo.
As comitivas foram saindo em grupos para se posicionarem com o menor ruído possível pelo monte. Quando chegamos ao local, faltava terminarem de fechar o cerco, que é uma corda delimitando o espaço da caçada e nessa corda ficam alguns postos, também considerados alguns dos melhores pois ficam quase no topo do monte e no meio das áreas de escape dos animais.
Esperamos uns 40min até termos permissão para chegar ao nosso posto. O interessante é o horário da caçada, a rehala foi solta as 11 da manhã e depois de perguntar o porque de ser tão tarde tive a resposta: de noite os animais (tanto cervos, corzoz e javalis) descem do monte para comer e antes do sol sair sobem outra vez para dormir e passam o dia todo ali. Por isso as rehalas saem tarde, que é para dar tempo dos animais voltarem para suas camas e dormirem, assim é mais difícil deles perceberem a presença no monte e fugir antecipadamente para a finca ao lado onde teriam segurança.
Logo depois de todos caçadores instalados já se notava o movimento das rehalas para os pontos de soltura. Nessa hora a ansiedade vai lá em cima, já que o Jacinto (o senhor que foi meu “guia” e me emprestou um rifle Remington em 7mm Mauser) disse que nessas horas que costumam sair as cervas e veados.
PS2: o Jacinto mora no povoado desde quando nasceu, tem mais de 200 bocas de javalis (que são javalis com mais de 5cm de presa para fora) e perto dos 700 javalis abatidos em toda sua vida, ele era um dos responsáveis por cuidar do monte de caçadores furtivos, então conhecia a mata e os bichos como poucos, me dizia que estávamos em um posto muito bom e que por ali vivia um veado muito bonito e várias cervas também.
Depois de instruções e recomendações dadas, é hora de aguardar, aguardar e aguardar.
As rehalas são soltas e logo se começam a ouvir os primeiros disparos e latidos de perseguição, uma coisa impressionante e de emocionar.
Vai passando o tempo e nenhum movimento para a gente, até que passa uma raposa, enorme, como uma bala. Não tive tempo nem de fazer visada, logo em seguida passa a uns 20m da gente algum bicho correndo, mas pela mata fechada, impossível de saber o que era.
Algum tempo depois, já com uma rehala mais próxima, começa um tiroteio incrível, nessa hora o Jacinto disse: ” se passar algum bicho sem tiro ele sai aqui na gente”. Dito e feito, pouquíssimo tempo depois escuto o Jacinto dizendo: “mira, un venão un venão” o busco e vejo um veado incrível, com uma cor bem escura e um par de chifres lindo, devia ter suas 12/14 pontas, bem abertos e compridos, tiro a trava do rifle e levo a luneta ao rosto, mas para minha infelicidade ele rompe para um lugar de mato sujo, passa cerca de 15m de mim e NÃO ACREDITAVA que não conseguia vê-lo. Contando parece que demorou muito, mas toda a ação deve ter durado 3 segundos se muito. O bicho veio muito rápido e com certeza já tinha tomado chumbo lá atrás, já que sempre buscou a parte mais suja do mato para fugir, enfim, acabei não atirando no meu tão sonhado troféu, que se tivesse matado seria o melhor da caçada.
Leia tambem:O centenário .375H&H, ainda cumpre bem seu papel.
Enquanto isso, o tiroteio nos outros postos continuava e para a gente quietou tudo. O Jacinto não conseguia entender como não saia, pelo menos, as cervas para a gente.Um tempo depois aparece outra raposa, essa surgiu numa brecha de mato, parou e ficou me olhando, pensei: “Já era, vai virar casaco. ” Mirei no meio da cabeça e puxei o dedo, mas no intervalo entre o cérebro mandar e o dedo obedecer o animal abaixou a cabeça para cheirar o chão, vi pelo visor o projétil passando 5cm por cima, aquela deve estar correndo até agora do susto!!
E foi só. Descemos para o carro e ficamos aguardando os demais caçadores baixarem. Nisso encontramos o Pablo, que disse que havia sido disparado mais de 180 tiros, mas que o resultado foi bem fraco, 15 cervas, 6 veados e 6 javalis. Teve gente que errou 6/7 javalis, gente que perdeu 5 javalis e 3 veados, o povo nao estava muito calibrado não.
Na estrada todos diziam o mesmo, tinham errado alguns, outros não viram nada de nada. A verdade é que o comportamento dos bichos estava muito diferente do normal. Animais entocados, que só saiam quando apertados pelos cães e que estavam no topo do monte e ao invés de baixarem, saiam pelos rincões para a finca ao lado, coisa que não é o normal, mas fazer o que, faz parte da caçada e é isso que me apaixona, se quisesse sair com a certeza de matar ia em uma finca cercada onde os bichos ficam dando voltas e tomando tiros.
Enquanto tiravam os animais abatidos voltei com o Jacinto para a bar onde seria a janta…mas antes disso ele me levou para ver seus troféus e seu cervo de estimação.
Depois da janta e desse passeio, fomos ver os animais mortos, eis que surge minha chance. A 10m de onde limpavam os bichos, havia um bando de 3 cervas a 5m do carro onde estávamos, mas, cadê o rifle? EM CASA. Liga para um, liga para outro, eis que o Pablo aparece na estrada, o Jacinto fala pra ele das cervas, que nessa altura já iam mais a frente, e nisso o Pablo me pergunta: “quer matar??” não preciso nem dizer minha resposta né. Peguei o rifle em .338LM do Pablo, 3 munições e la fomos nós de carro atrás dos bichos. Paramos o carro no acostamento da estrada, desci, fui recechar elas (era uma área gradeada, onde a única cobertura que tinha eram 2 moitas), fui abaixado até essas moitas e fiz fogo, logo a cerva acusa disparo mas corre junto com as outras, faço novo disparo e erro, não sei se por afobação, falta de visibilidade (já tava quase de noite) ou pq errei mesmo. Nisso chega o Jacinto e passo o rifle para ele, que faz um lindo tiro e derruba a cerva já baleada, digo lindo porquê foi um tiro tranquilamente acima dos 300m e com pouquíssima visibilidade. Mas ai cometemos um erro, fomos ver os bichos mortos na monteria para depois pegar a cerva, fomos, tirei algumas fotos, quando chegamos, os bichos ja estavam quase “prontos” então não foram as fotos bonitas que eu pretendia, mas fazer o que. E quando voltamos pela cerva não teve cristo que a encontrasse, buscamos por 1 hora e nada. Fiquei triste por ter “perdido” ela e não ter tirado ao menos uma foto,mas o Jacinto disse que ainda no dia, cedo, iria buscar ela.
Depois me despedi dos novos amigos e voltei com Pablo ate Madrid e teve fim a tão sonhada monteria. Não consegui matar meu cervo, mas digo que valeu cada centavo.
É uma caçada incrível, onde não existe uma formula exata do comportamento dos bichos, tanto é, que, mesmo depois de 400 cachorros batendo o monte, 2 horas depois tinha cervos na parte baixa comendo, coisa que ninguém conseguiu entender.
O que fica é um dos sonhos realizados, os novos amigos e a vontade de voltar na próxima temporada para mais uma empreitada dessas, que digo que é muito bom!
Para os que queiram caçar na Europa recomendo a Orgânica “Mancha Ibérica”, de olhos fechados. Gente muito séria e que faz isso por divertimento, além de darem total apoio e assessoria aos caçadores.