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MOSQUETÃO CHUCHU – UMA ARMA BRASILEIRA ESQUECIDA

por Ricardo M. Andrade
12 Minutos de leitura

Já há algum tempo venho fazendo um trabalho voluntário no Museu dos Militares Mineiros, identificando e catalogando de forma correta todo o acervo. Durante uma visita que fiz à Academia de Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, convidado pelos representantes do Museu para selecionar novos armamentos que seriam usados na Galeria do Colecionador, onde as armas ficam expostas, me deparei com um curioso armamento. Sua ação era totalmente diferente de tudo que eu já havia visto, separei então para mais tarde pesquisar, e, fosse o caso, expor no museu, esse foi meu primeiro contato com o mosquetão Chuchu.

Curiosamente, poucos dias após essa visita, ganhei deste mesmo museu uma grande coleção de Revistas Magnum. Alguns exemplares datados de mais de 20 anos atrás, e, olhando alguns exemplares de forma aleatória, abri a revista de edição nº 55, ano 10, intitulada “Armas da Guerra de Canudos”, e sem querer me deparei com uma foto bem pequena, exatamente com aquela arma que eu havia recolhido na Academia da PM. A legenda da foto nomeava a arma como “Fuzil Chuchu” o que me fez pensar que se tratava do Fuzil Chautchaut, apesar das informações contidas na revista serem relativamente interessantes, lá fui eu para uma nova pesquisa, tentando colher mais informações sobre esta surpreendente arma.

Revolver “pepperbox” inventado por Athanaze Chuchu.

A história desta arma remete primeiramente ao seu criador: o armeiro baiano Athanaze (ou Athanazio) Chuchu, que recebeu este curioso nome por conta de seu pai francês, que também era armeiro. Athanazio havia estudado na Europa, lugar onde aprendeu sua profissão como artesão, armeiro, vendedor de armas e também, inventor. No Brasil, a loja de Chuchu e seu pai representava a fábrica Labin et Théate, que tinha sua sede na cidade de Liege, na Bélgica.

Umas das primeiras armas de fogo projetadas e patenteadas por Athanaze Chuchu foi um revólver “pepperbox”, de quatro canos de calibres .22, 5mm e 11mm, patenteada no dia 12 de agosto de 1884, na Inglaterra, por intermédio do agente H. H. Lake. Na época, esse tipo de armamento já era fabricado por diferentes companhias, como a Sharps, nos EUA e a Lancaster, no Reino Unido. O revólver “pepperbox” de Chuchu chegou a ser fabricado pela Labin et Théate, mas poucos exemplares foram feitos chegando ao número de série de pouco mais de #300.

Dois anos após ter patenteado seu revólver “pepperbox”, Athanaze patenteou no Brasil em 12 de fevereiro de 1886 e na Inglaterra no dia 12 de Março de 1886, uma nova arma, dessa vez um mosquetão de retrocarga. Abaixo segue o  resumo da Patente de Chuchu na Inglaterra:

Sistema de funcionamento do mosquetão Chuchu

Mecanismos de culatra, bloco girante: O bloco da culatra gira em torno de um eixo abaixo e paralelo ao cano, de forma que depois de cada descarga (disparo) ele é virado para o lado, para ejeção do estojo vazio e para o recarregamento. O bloco da culatra é exposto à parte, quando o bloco da culatra é mostrado separadamente em uma seção vertical, as peças estando em suas posições quando o bloco está pronto para ser virado para o lado! Um eixo transverso passando através do bloco leva uma alavanca externa (A), e um came de três braços interno, com três braços (B), um dos quais arma o cão (C), um segundo remove o percursor da face do bloco, e o terceiro (D) destina-se a comprimir e assim soltar uma alavanca de mola que normalmente age como uma segurança do gatilho. O ejetor é uma pequena alavanca pivotante em um eixo transverso, sua extremidade inferior recebendo um golpe de um pino projetado da face do bloco da culatra, quando este é voltado para o lado.

E aqui as vantagens da arma, descritas na patente feita por ele no Brasil:

1 ° Em uma arma de guerra, espingarda ou pistola, a combinação de uma caixa envoltória feita de uma só peça e com qualquer metal ( … ) com o mecanismo completo, denominado Blocus-feixe ( … )

2° A combinação de uma caixa envoltória e do mecanismo Blocus-feixe assim especificados, com a chave G (letra ”A” do desenho da patente inglesa) que reúne perfeitamente estas partes com o cano da espingarda ou pistola, e que ao abrir-se faz mover o extrator do cartucho conforme está representado ( … )

3° As combinações acima especificadas que tornam prático e pouco dispendioso o fabrico mecânico e uniforme desta arma, tornando-a superior e fácil a manobra, e desarmar e a limpar convenientemente, o que é de grande vantagem para as tropas em campanha: tudo como se acha acima [na patente] substancialmente descrito.

Ainda em 1886, um primeiro protótipo foi feito e no dia 19 de Fevereiro daquele mesmo ano, ele foi testado pela Comissão de Melhoramentos do Material do Exército, a pedido do próprio Ministro da Defesa, a quem foi entregue um exemplar pelo próprio armeiro. É interessante observar que os testes foram feitos pouco tempo depois do pedido de patente no Brasil, mas antes do da Inglaterra.

Mosquetão Chuchu M1891. Esta arma pertence ao Museu dos Militares Mineiros

De acordo com a “Revista do Exército Brasileiro”, de 1886, os testes foram bastante satisfatórios. A cadência de tiros da arma atingiu uma média de 12 disparos por minuto, chegando a uma cadencia máxima de 17 disparos por minuto, e os 109 tiros efetuados foram feitos contra um alvo a 200m de distância. O atirador que efetuou os testes, um instrutor da Escola de Tiro do Exército, não era familiarizado com o armamento, portanto, com algum treino, os resultados provavelmente seriam melhores do que os obtidos.

Durante a fabricação de seu protótipo, Chuchu não dispunha de materiais para produção industrial em sua loja, por conta disso o bloco da culatra foi feito artesanalmente e com metais de baixa qualidade, apesar disso, de acordo com documentos da época, o mosquetão Chuchu era resistente e confiável e não houve quaisquer falhas durante os testes e nenhum acidente de tiro. Os Militares também elogiaram a facilidade de manejo da arma, que de fato é ridiculamente intuitivo, apesar de diferente.

A arma possuía uma trava interna que não a deixava ser disparada quando a culatra estava aberta, sendo um dispositivo de segurança importante na época, pois diversos fabricantes possuíam modelos sem essa característica, causando acidentes de tiros, como se pode imaginar.

A única desvantagem apontada pelo Exército era o fato de que, para a desmontagem total da arma, era necessária uma chave de fenda, ficando difícil para um soldado em campo de batalha inutilizar o mosquetão Chuchu, caso fosse necessário. Diferentemente da carabina Comblain, arma regulamentar do Exército na época, que não precisava de acessório algum para ser desmontado e inutilizado.

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Autor deste texto com o Mosquetão Chuchu M1891. Esta arma pertence ao Museu dos Militares Mineiros.

Logo após os testes feitos pelo Exército, uma portaria do Diretor do Arsenal de Guerra, seguindo instruções do Ministro da Guerra, ordenou que fossem modificadas seis carabinas Comblain segundo o sistema de Chuchu. Outra portaria do dia 26 de Março, determinou que uma dessas seis armas fosse modificada novamente “seguindo as novas indicações do mesmo Sr. Chuchu, como foi por ele requerido (…)”. Estas últimas modificações ainda são uma incógnita, pois não há relatos precisos do que elas seriam.

Após todas as modificações serem feitas, novos testes foram realizados pelos militares. Os resultados não devem ter sido muito satisfatórios, pois já armados com carabinas Comblain, não pretendiam fazer a troca de seu armamento pela arma de Chuchu. Além de já serem acostumados com as Comblains, os militares viam poucas vantagens entre o mosquetão Chuchu e sua carabina de uso padrão.

Apesar de o Exército não ter adquirido o mosquetão Chuchu, a Força Pública da Bahia, em 1891, resolveu comprar cerca de 900 exemplares dele, ficou determinado então que a arma seria Mosquetão Chuchu M1891, e seu calibre era o 11x42mmR, o mesmo dos mosquetões Comblain nº1 e 2 usados pelo Exército. Seu cano tinha 1080mm e por puro saudosismo, eles acharam que esta seria o melhor armamento a se adotar. As armas foram distribuídas às unidades da Capital, e o resto da força permaneceu com suas carabinas Minié, que estavam em uso há mais de 30 anos. Curiosamente, um ano após a compra do Mosquetão Chuchu M1891, o governo da Bahia requisitou novamente ao Exército, que estava trocando suas Comblains por rifles Mannlicher 1888 de comissão, a compra de novas armas. Eles queriam ou os mesmos rifles que os militares estavam adquirindo ou suas Comblains usadas, visto que teriam custo mais baixo por serem vendidas diretamente pela união, dessa forma pretendiam uniformizar toda a Força Pública da Bahia, ou ao menos uma grande parte dela.

O único motivo plausível para a Força Pública da Bahia adquirir a arma de Chuchu, é pelo orgulho, já que seu inventor era, além de brasileiro, baiano. Essa explicação fica mais forte com o fato já citado de pedirem a compra de novas armas, não só em 1892, mas também em 1893 e 1894, e em todos os pedidos, não mais citaram a arma fabricada por Chuchu.

A arma em questão foi motivo de críticas por políticos da época, na primeira parte da Ordem do Dia da sessão de 7 de junho de 1894, da Câmara de Deputados do Estado da Bahia, discutiu-se o Projeto n. 113, que fixava a força policial para o exercício daquele ano. A discussão se tornou mais intensa durante o debate sobre a aprovação do texto do artigo 4º, que autorizava o Governo da Bahia a “despender até a quantia de quatrocentos contos (400:000$000) para a aquisição de armamento, arreiamento da cavalhada, quartel e utensílios indispensáveis a todo o serviço, podendo para isso abrir os créditos suplementares necessários”.

Leia também:A forja Taurus é suspeita de vender armas a traficantes internacionais

Houve caloroso embate entre os deputados Martins Barbosa e Antônio Bahia sobre o assunto. Enquanto o primeiro, relator do projeto, tentava demonstrar a necessidade de melhor organização do corpo de polícia, seu interlocutor proferia severas críticas à abertura de créditos suplementares para a aquisição de novo armamento. O deputado Antônio Bahia destacava a falta de informações sobre o armamento distribuído na capital e no interior do Estado, bem como condenava a compra de novas unidades do mosquetão Chuchu para as tropas estaduais:

“A comissão precisa informar se vai mudar de sistema de armamento do corpo de polícia (…) vai completar o armamento comprando o que faltar de mosquetões Chuchu?” O deputado Salvador Pires diz ao ouvido do relator da comissão ‘não caia nesta porque a carabina Chuchú não presta’.

O parlamentar não se contentou em insinuar uma possível deficiência do armamento utilizado pela Força Pública baiana. Na continuação do seu aparte, questionava:

“Será o armamento mais convenientemente apropriado para a Força Pública, que tem de fazer a guarda, a fiscalização da segurança pública na capital ou cidades onde destacada? (…) Crê que era conveniente a ilustre comissão de Força Pública recorrer a um profissional e informar-se da melhor maneira que deve fazer o armamento dessas praças.”

É indiscutível o valor histórico do mosquetão Chuchu que foi criada por um inventor brasileiro e foi a primeira arma projetada no Brasil a ser usada por uma força de Segurança Pública. Este mosquetão foi usado pela Força Pública da Bahia e atuou inclusive na Guerra de Canudos. Esteve presente nos arsenais desta Força até 1897, quando finalmente foi aposentada. Pelo fato de poucos exemplares terem sido produzidos, esta arma é pouco conhecida e pouco se sabe sobre ela com precisão.
A arma de Chuchu, assim como seu criador, caiu no esquecimento do brasileiro, que infelizmente tem pouco costume de guardar objetos e fatos importantes de sua história.

Este texto foi adaptado pelo autor. O artigo original escrito pelo Sr. Adler Homero Fonseca do Museu de História Nacional se encontra neste link. Aproveito para agradecer a este senhor pelos diversos esclarecimentos sobre este e outros armamentos.

Contei com a ajuda também do Sr. José Renato Figueira, o qual tem tido muita paciência com meus intermináveis questionamentos sobre armamento antigo. O conhecimento deste homem sobre o assunto é assustador!

Demais referencias podem ser vistas neste Link

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6 Comentarios

Erick Tamberg 17/04/2017 - 13:15

Há muitos anos, ouvi relatos de idosos que viveram no sertão da Bahia (região de Xique-Xique) sobre a existência de uma pistola artesanal de 4 canos, conhecida por um apelido onomatopaico, referente ao som sucessivo de quatro tiros (“turuntuntum” ou algo parecido). Acredito que possa ser uma referência à pistola Chuchu.

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Ricardo M. Andrade 20/04/2017 - 23:35

Pode ser sim amigo, se realmente for, e alguém tenha essa arma, com toda a certeza vale uma boa quantia em dinheiro para colecionadores.

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Rafael 21/11/2018 - 13:27

O próprio fuzil Chuchu deve ser uma bela raridade, né.

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Ricardo M. Andrade 14/12/2018 - 21:02

Somente 900 unidades foram produzidas em massa, muitos foram destruídos ou perdidos, a arma é uma raridade!

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Fábio 05/10/2019 - 21:50

Olá, teria algum contato seu para que eu possa entrar em contato ? Há algum tempo um um fazendeiro me doou uma arma e só co segui ler o no.e Chi Chi nela. E se parece muito co. Essa arma citada e mostrada na foto ( mosquetão chu chu )

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Ricardo M. Andrade 21/06/2020 - 15:39

Mande um e-mail com foto da arma para ricardo@fireamrsbrasil.com.br

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